SBMAC reconhece interdisciplinaridade, pioneirismo e relevância da pesquisa realizada por pesquisadores de USP, Unicamp e FGV
Durante o auge da pandemia de Covid-19, em meio a incertezas e à escassez de vacinas, cinco pesquisadores, que atuam nas áreas de matemática aplicada, ciência de dados e epidemiologia, uniram forças para abordar a viabilidade de adiar a segunda dose da vacina visando maximizar o benefício inicial da imunização. O resultado desta pesquisa, que utilizou um modelo matemático para determinar a eficácia dessa estratégia e o intervalo ideal de atraso entre a primeira e a segunda doses, foi reconhecido com o Prêmio Johannes Kepler 2024, oferecido pela Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC).
A pesquisa intitulada “Optimized delay of the second Covid-19 vaccine dose reduces ICU admissions“, publicada ainda em 2021 na prestigiada revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), é de autoria dos pesquisadores Paulo Silva e Claudia Sagastizábal, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (IMECC-Unicamp); Luis Gustavo Nonato e Tiago Pereira, do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP); e Claudio Jose Struchiner, da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp).
“Criamos um modelo matemático que usa a taxa de hospitalização como métrica-chave para determinar o melhor momento para aplicar a segunda dose da vacina. Ele considera informações sobre como a vacina funciona, quanto dela está disponível e quem mais precisa. O modelo também prevê quantas pessoas podem precisar ir para o hospital devido à Covid-19 em diferentes idades”, explica Luis Gustavo Nonato, do ICMC-USP.
“A linguagem matemática é fundamental para representar os mecanismos de ação de cada elemento deste sistema, como a mobilidade social, a resposta imunológica e a infecciosidade do agente patológico”, complementa Claudio Struchiner, da FGV EMAp.
O estudo revelou que, dependendo da eficácia e do mecanismo de ação da vacina, adiar a segunda dose pode ser uma estratégia eficaz para aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde.
“Essa relação dependia fortemente da cepa de Covid-19 em circulação. No início do período de vacinação, a cepa predominante era mais sensível à primeira dose, o que justificava adiar ao máximo a segunda dose para cobrir a maioria da população”, conta o professor Paulo Silva, do IMECC-Unicamp.
Segundo o modelo, para vacinas que bloqueiam a infecção com 50% de eficácia após a primeira dose, a segunda dose pode ser adiada por até 8 semanas. Um atraso similar é recomendado para vacinas que têm 70% de eficácia na prevenção de internações. Além disso, a modelagem previu que, ao adiar a segunda dose por 12 semanas para uma vacina que bloqueia a infecção com 70% de eficácia inicial, as admissões em UTI poderiam ser reduzidas em até 400 por milhão de pessoas ao longo de 200 dias. Os achados sugerem que, mesmo com a imunidade parcial, o modelo otimizado para segunda dose da vacina promove uma redução massiva do número de internações em UTI e redução de lockdowns, podendo salvar vidas e acelerar o retorno à normalidade. Esses resultados destacam a importância de ajustar as estratégias de vacinação para maximizar os benefícios de saúde pública em diferentes contextos epidemiológicos.
Claudia Sagastizábal, do IMECC, destaca a versatilidade do modelo matemático desenvolvido, que foi adaptado para identificar áreas com maior demanda por leitos de UTI em São Paulo e para definir estratégias de testagem sistemática para Covid-19. “Também colaboramos com o estado do Rio Grande do Sul para determinar o momento ideal de retomada das atividades econômicas em várias cidades. A abstração da matemática nem sempre é bem compreendida pelo público leigo. Mas trabalhos como o do artigo premiado podem ser apreciados por outras pessoas além dos especialistas. Acho que esse ponto é fundamental para difundir a prática do trabalho multidisciplinar no Brasil”, destaca.
Desde 2020, a SBMAC oferece o Prêmio Kepler para reconhecer a produção científica nacional em Matemática Aplicada. O trabalho vencedor de 2024 integrou expertises de diversas áreas e foi pioneiro naquele momento ao fornecer informações cruciais e acessíveis para os tomadores de decisão.
Tiago Pereira, professor do ICMC, ressalta o orgulho de receber um prêmio que homenageia um dos fundadores da ciência moderna. “Kepler foi um grande pioneiro na ciência de dados, com aplicações da matemática para a astronomia. Estamos muito felizes em continuar a tradição de Kepler e aplicar a matemática para resolver problemas do nosso cotidiano“, comemora.