Primeira e única mulher a presidir a Sociedade, professora é homenageada por sua trajetória pioneira e seu papel fundamental na consolidação da matemática aplicada no Brasil

Há oito décadas, o mundo respirava aliviado com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil ensaiava os primeiros passos rumo à redemocratização e os cursos superiores de Matemática começavam a se consolidar nas instituições de ensino. Nesse cenário de transformações profundas, nascia Maria Cristina de Castro Cunha, uma mulher destinada a ser pioneira e a deixar sua marca por onde passasse. Por mais de quarenta anos, Maria Cristina se dedicou ao fortalecimento da matemática aplicada no país, seja como professora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde se aposentou em 2012, seja como a primeira – e até hoje única – mulher a presidir a Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). Em uma dessas coincidências simbólicas, seu aniversário, 15 de maio, sucede o Dia Internacional das Mulheres na Matemática, celebrado em 12 de maio e destinado a fortalecer, reverenciar e inspirar mulheres na matemática, algo que Maria Cristina fez com louvor.
Engenheira de formação, Maria Cristina encontrou na matemática o caminho que fazia seu coração pulsar. Sua atuação na SBMAC foi marcada pelo comprometimento com o crescimento da entidade e pela liderança discreta, mas decisiva. Presidiu a Sociedade entre 1999 e 2001, mas, antes disso, já havia sido primeira secretária e vice-presidente (1993–1995). Além disso, exerceu papel ativo como conselheira em oito mandatos. Em reconhecimento à sua trajetória e contribuição pioneira, desde 2022 é associada honorária da SBMAC, título que simboliza o vínculo profundo com a entidade que ajudou a construir e fortalecer ao longo de décadas.
“Em uma época em que pouco se discutia a importância da presença das mulheres na ciência, ela já estava lá, abrindo caminhos com naturalidade, mostrando que lugar de mulher é onde ela quiser”, destaca Fábio Antonio Dorini, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR) e um dos muitos pesquisadores que Cristina inspirou e orientou.
Para ele, mais do que uma orientadora e pesquisadora brilhante, Maria Cristina foi uma referência de pessoa que soube combinar competência técnica e generosidade humana. “A Cristina é dessas raras pessoas cuja presença transforma e mostra que o importante é o caminho e a forma como escolhemos vivê-lo”, enaltece.
Liderança firme e transformadora
A gestão de Maria Cristina à frente da SBMAC é lembrada como um dos momentos mais desafiadores e decisivos da história da entidade. Na época, a Sociedade enfrentava dificuldades financeiras, carecia de autonomia institucional e buscava recuperar a credibilidade de seus eventos científicos. Foi nesse cenário que ela liderou a reorganização do Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional (CNMAC), transformando-o na principal atividade-fim e fonte de recursos da SBMAC.
“Cristina soube identificar os problemas e, à sua maneira discreta, resolveu tudo de forma definitiva, assegurando que a SBMAC seria o que é hoje. Depois dela, a entidade tornou-se independente, construiu sua sede e deslanchou”, relembra Rubens Sampaio, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
De acordo com Sampaio, as medidas adotadas por sua gestão se tornaram referência para as diretorias seguintes, gerando impactos duradouros na estrutura da SBMAC, nas suas publicações científicas e na valorização dos congressos anuais.
“Ela foi fundamental para a criação da série Tendências em Matemática Aplicada e Computacional (TEMA), um marco importante para a divulgação científica da área no país”, declara Sônia Maria Gomes, professora da Unicamp, que também atuou como vice-presidente da SBMAC durante a gestão de Maria Cristina.

Na Unicamp, onde atuou por décadas no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), Maria Cristina também deixou sua marca institucional. Foi chefe do Departamento de Matemática Aplicada (DMA) em dois mandatos (1979 a 1981 e posteriormente de 2001 a 2003), contribuindo diretamente para a consolidação da área de Análise Numérica. Além disso, foi coordenadora da submissão da pós-graduação nos anos de 1987 e 1988.
“Ela participou ativamente de comissões e cargos de chefia, sendo carinhosamente apelidada de ‘chefinha’, em reconhecimento à sua liderança respeitosa e popularidade entre os colegas”, conta o professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, o Joni.
O apelido “chefinha” surgiu em meio a um episódio marcante no IMECC. Mesmo após enfrentar um contratempo de saúde às vésperas da eleição para a chefia do departamento, Maria Cristina foi eleita por ampla maioria.
“Ela foi um exemplo de liderança justa, democrática e equitativa e conseguiu reunir todos em torno de um objetivo comum: melhorar a avaliação da nossa pós-graduação junto à CAPES”, destaca Joni, que também guarda na memória uma ajuda essencial de Maria Cristina durante o desenvolvimento prático de sua tese:
“Expliquei o problema, e ela logo perguntou se eu estava usando o pacote de sub-rotinas científicas do sistema operacional. Quando confirmei, respondeu com aquele sorriso característico: ‘Mas Joni, esse pacote não funciona com precisão dupla. Programa você mesmo a resolução’. Segui o conselho e, no mesmo dia, tudo funcionou perfeitamente”, relata.
Legado intelectual e humano
Autora de um dos livro de Análise Numérica mais populares do Brasil, denominado ‘Métodos numéricos’, Maria Cristina foi pioneira em temas como métodos numéricos para problemas inversos de grande porte e equações diferenciais parciais aleatórias, além de atuar em projetos estratégicos de cooperação com a Petrobras, em parceria com engenheiros da Unicamp.
Mais do que suas contribuições intelectuais, Maria Cristina tocou vidas e transformou trajetórias. “Falar da Maria Cristina é lembrar dos seus sempre presentes sorrisos. É um grande prazer poder prestar uma homenagem a ela”, afirma Liliane Basso Barichello, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Tive a honra de fazer parte da diretoria da SBMAC sob sua presidência. Lembro dela atuando com leveza, mas também com firmeza. Parabéns, Maria Cristina, pelo pioneirismo e pela coragem de assumir uma posição de destaque que hoje é motivo de orgulho para todas nós, mulheres da SBMAC”, completa.
“Expresso aqui minha profunda admiração e gratidão à professora Cristina Cunha”, escreve o professor Maurílio Boaventura, seu ex-aluno de pós-graduação. “Tive o privilégio de contar com sua orientação durante meu doutorado. Mais do que professora e coorientadora, ela foi uma verdadeira mentora, sempre disposta a ouvir, orientar e incentivar com sabedoria e humanidade. Sua competência, dedicação e generosidade foram fontes constantes de inspiração. Com todo o meu respeito e admiração, meu muito obrigado, professora Cristina”.
“Quero agradecer por tudo que fez por mim, como orientadora no doutorado e como amiga, nos conselhos da vida. Parabéns pelo seu aniversário, pela sua integridade e competência. Sou seu fã. Saudades”, escreve o professor José Roberto Nogueira, da Unesp de Presidente Prudente. “Que a vida te dê como presente muita paz, amor e sucesso, e que a felicidade te encontre em cada canto deste novo ano”.
A SBMAC se une aos muitos que admiram a trajetória da mãe do Paulinho, do Dudu e do Gustavo. Nossos votos de uma vida plena e feliz à eterna Presidente da Sociedade, Maria Cristina de Castro Cunha, e que sua trajetória siga inspirando e abrindo cada vez mais espaço para a participação feminina na ciência – especialmente no campo das exatas.