Antonio Martins Sasaki, egresso da UFRJ, foi premiado pela pesquisa que estende o Lema de Kac para medir o tempo até padrões de retornos estruturados surgirem em sistemas dinâmicos

A formação de jovens pesquisadores é um dos pilares da ciência e da inovação no país. Nesse processo, as iniciações científicas cumprem um papel decisivo: permitem que estudantes de graduação deem os primeiros passos na pesquisa acadêmica, exercitando a curiosidade, a criatividade e a independência intelectual que marcam a carreira científica. Reconhecer e valorizar esse esforço é o objetivo do Prêmio Beatriz Neves, concedido anualmente pela Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC) a trabalhos de destaque realizados nesse nível de formação.
Em 2025, o prêmio foi conquistado por Antonio Martins Sasaki, egresso da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o trabalho “An extension of Kac’s lemma for Furstenberg’s ergodic multiple recurrences”, orientado por Jaqueline Siqueira Rocha e Alexander Eduardo Arbieto Mendoza.
A pesquisa propõe uma extensão do Lema de Kac, resultado clássico de 1947 que quantifica o tempo médio de retorno em sistemas dinâmicos. O trabalho leva esse contexto das recorrências múltiplas ergódicas estudadas por Hillel Furstenberg na década de 1970. Em termos simples, o objeto é compreender não apenas os retornos isolados de um sistema dinâmico ao seu estado inicial, mas também os retornos que seguem padrões mais estruturados — como progressões aritméticas.
“Defino uma noção operacional de tempo de recorrência múltipla de Furstenberg e reúno indícios teóricos, além de experimentos computacionais, de que o tempo médio de espera parece seguir uma lei equivalente para retornos em progressão aritmética”, explica o pesquisador.
Contexto histórico e relevância científica
A contribuição de Antonio se insere em uma tradição que remonta a Henri Poincaré, no final do século XIX, quando o matemático demonstrou que sistemas dinâmicos tendem a revisitar, infinitas vezes, estados muito próximos ao inicial. Essa é a essência do Teorema da Recorrência de Poincaré, um dos marcos da matemática moderna.

Décadas depois, em 1947, o matemático Mark Kac refinou essa ideia ao criar uma espécie de “régua do retorno”. Ele mostrou que é possível calcular o tempo médio de espera até que o sistema volte a uma configuração parecida com a original. Em termos simples: se pensamos em um dado que é jogado infinitas vezes, Kac fornece uma fórmula para estimar, em média, quantos lançamentos serão necessários até que o número inicial reapareça.
Já em 1977, Hillel Furstenberg deu um passo além ao provar que os retornos não são apenas ocasionais ou isolados: eles podem ter estrutura. Em vez de um retorno “qualquer”, é possível encontrar sequências de retornos igualmente espaçados no tempo, formando progressões aritméticas. Isso cria uma ponte entre dinâmica e combinatória, mostrando que padrões matemáticos profundos emergem mesmo em sistemas aparentemente caóticos.
É nesse ponto que entra a contribuição de Antonio. Seu trabalho busca um análogo do Lema de Kac para essas recorrências múltiplas de Furstenberg. Ou seja: se já sabemos calcular o tempo médio para um retorno simples, seria possível criar uma fórmula que também quantifique o tempo de espera médio até que surjam padrões estruturados de retornos?
Embora o tema seja altamente abstrato, ele toca em questões fundamentais da matemática. A própria recorrência múltipla de Furstenberg está ligada ao teorema de Szemerédi, que garante a existência de progressões aritméticas de qualquer tamanho em conjuntos de inteiros com densidade positiva. Esse tipo de resultado foi uma das inspirações para o famoso Teorema de Green-Tao (2004), que demonstrou que os números primos contêm progressões aritméticas arbitrariamente longas.
Assim, estudar uma “fórmula de Kac” para essas recorrências pode abrir caminho para resultados quantitativos — não apenas saber que padrões existem, mas estimar o tempo até que apareçam. Isso fortalece a ponte entre a Matemática Pura e a Aplicada, aproximando campos como a teoria dos números, a análise de sistemas dinâmicos e até a estatística.
Trajetória e motivações
Natural de Niterói (RJ), Antonio tem 25 anos e foi incentivado pelos pais, ambos matemáticos formados pela Universidade Federal Fluminense (UFF), a seguir carreira acadêmica. O interesse pela matemática floresceu nas olimpíadas científicas, em que recebeu diversas premiações.

Durante a graduação em Matemática na UFRJ, Antonio entrou em contato com a teoria ergódica e viu na prova de Furstenberg para o teorema de Szemerédi uma conexão elegante entre dinâmica e combinatória. “A tradição brasileira em sistemas dinâmicos e teoria ergódica reforçou essa direção”, destaca. A orientação de Jaqueline Siqueira e a parceria com Alexander Arbieto consolidaram o projeto que lhe rendeu o prêmio.
Atualmente, Antonio vive na França, onde iniciou em dezembro de 2024 seu doutorado em Matemática Aplicada na École Nationale Supérieure des Mines de Paris (Université PSL). Sua formação acadêmica combina duas graduações: em Matemática pela UFRJ, concluída em abril de 2025, e em Engenharia pela ENSAE Paris, finalizada no fim do ano passado.
Na França, os títulos de engenharia têm equivalência de mestrado e permitem acesso direto ao doutorado, o que possibilitou a Antonio ingressar no programa de doutorado antes mesmo de colar grau na UFRJ. Além disso, ele foi contemplado com a Bolsa de Excelência Eiffel, concedida pelo governo francês, que lhe garantiu apoio institucional e financeiro para essa etapa da carreira.
Com planos de seguir carreira acadêmica, Antonio se anima em explorar a interface entre a matemática pura e aplicada. “Nos últimos anos migrei da Matemática Pura para a Aplicada, e hoje gosto de trabalhar justamente na intersecção entre as duas. No longo prazo, pretendo seguir aprofundando colaborações no Brasil e aqui na França, contribuindo ativamente para a comunidade”, revela o carioca.
Importância do reconhecimento da SBMAC
A entrega do Prêmio Beatriz Neves ocorreu no 44º Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional (CNMAC), realizado de 15 a 19 de setembro na Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp), no Rio de Janeiro. Antonio não pôde estar presente na celebração, porém seus pais receberam a honraria do filho.

Conquistar o reconhecimento da SBMAC para um projeto com grande dedicação teve um significado especial para Antonio. “Foi a maior conquista da minha carreira. Eu me sinto profundamente honrado por receber um prêmio que leva o nome da professora Beatriz Neves, docente do Instituto de Matemática da UFRJ, a mesma casa onde estudei e desenvolvi a pesquisa deste trabalho. Essa conexão torna o reconhecimento ainda mais especial e significativo para mim”, comemora o pesquisador.