Como um menino do interior do Espírito Santo chegou às salas aulas de aula da USP, em São Carlos, e se tornou diretor de um dos 42 institutos de ensino e pesquisa da Universidade
O jeito manso de falar e a maneira calma como vai contando os rumos que a vida tomou para trazê-lo ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, evidenciam a origem desse homem que só se descobriu matemático depois de ingressar no curso de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC). Ele é o terceiro na sequência dos oito filhos que seus pais trouxeram ao mundo lá no antigo distrito de Imbuí, hoje município de Divino São Lourenço, no Espírito Santo. A família do fazendeiro morava a cerca de 23 quilômetros do Pico da Bandeira, junto com apenas mais três mil habitantes.
Mas a crise atingiu a família no final dos anos 1960, o pai vendeu a fazenda e eles se mudaram para a cidade de Guaçuí. Lá, o adolescente Alexandre Nolasco de Carvalho conciliava a escola com seu primeiro emprego: vendedor em uma loja de autopeças. Depois, os donos do comércio transferiram o garoto para trabalhar em outra loja, agora de tintas. Ele controlava o estoque, emitia notas fiscais e até fez um curso de datilografia para melhor exercer suas atividades no trabalho. “Mas minha mãe queria uma vida melhor para os filhos”, conta Nolasco.
Então, quando ele estava terminando o ensino fundamental, em 1976, ela articulou, secretamente, junto com o filho mais velho, a inscrição de Nolasco no processo seletivo para o curso de Eletrotécnica na Escola Técnica Federal do Espírito Santo, em Vitória, onde o mais velho já morava.
“Meu pai ficou muito bravo. Porque ele era muito tradicionalista e achava que filho tinha que ficar em casa. Por outro lado, gostava muito de ler e herdei a paixão dele por colecionar sonetos. Sempre nos incentivava a gostar de aprender, tínhamos até uma boa enciclopédia em casa”. Vitória ficava a 240 quilômetros de Guaçuí. Diante do impasse, Nolasco foi ter uma conversa reservada com o pai:
– O que eu faço pai? É para passar na prova da escola ou não?
– Já que é para fazer, é para passar – respondeu o pai resignado.
Em Vitória, a escola técnica era em tempo integral e, no primeiro ano, os jovens não podiam ser reprovados em nenhuma disciplina, do contrário, perderiam a vaga. Quando estava no último ano do curso, Nolasco descobriu que o colégio Salesianos oferecia um cursinho com bolsas para alunos que ficassem bem classificados no exame de seleção. Ele foi fazer a prova com mais 3,6 mil candidatos e conseguiu uma das 29 bolsas que ofereciam desconto de 100% na mensalidade. Nesse tempo, aprendeu que era possível estudar em três períodos. Enquanto ele seguia o rumo natural da vida, tal como os demais estudantes, e procurava estágios, sua mãe lhe dizia: você tem que fazer um curso superior! De novo, ela tirou Nolasco do eixo: dessa vez, articulou tudo com a irmã mais velha, que morava em São Paulo e enviaram a ele o manual de inscrições para a Fuvest.
Receptivo às novas ideias, Nolasco viu no manual que o curso de Engenharia Elétrica na EESC oferecia menos vagas do que o da Escola Politécnica (Poli). Logo, deduziu: “Se tem menos vagas, é mais seletivo, deve ser melhor”. Assinalou essa como sua primeira opção. Foi fazer o vestibular em São Paulo, onde ficou hospedado na casa da irmã, crente de que, se fosse aprovado, poderia morar com ela. Somente no momento da matrícula, ele se deu conta de que a EESC ficava em São Carlos e não em São Paulo. Então, viajou os 240 quilômetros que separam a capital do Estado e o município do interior decidido a remanejar o curso para o campus da USP em São Paulo. No entanto, no interior, informaram que isso não era possível, já que ele havia assinalado a EESC como sua primeira opção. Virou as costas e retornou os mesmos 240 quilômetros sem fazer a matrícula. De novo, a mãe, a irmã, o irmão e, agora, até o pai, o convenceram a seguir adiante.
No outro dia, o jovem pegou a estrada de novo e quase não chegou a tempo de se matricular. “Foi a melhor coisa que podia acontecer. Eu me adaptei bem à cidade, tinha só 90 mil habitantes na época. Fui bem recebido pelo pessoal do Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (CAASO), fiquei no alojamento e logo consegui bolsa alimentação”.
Da engenharia para a matemática – Tempos depois, seu colega de alojamento e companheiro nos jogos de basquete, Paulo Hideshi Ogata, comentou que tinha cursando uma disciplina optativa no ICMC: Elementos de cálculos de variações e complementos de análise. “Ele gostava de matemática tanto quanto eu e me contou um pouco da disciplina, emprestou o caderno dele e me falou sobre um assunto que tinha estudado: o problema da Braquistócrona”, relembra Nolasco. “É um problema simples: você tem um corpo que vai cair do ponto A para o ponto B e ele está só sob o efeito da gravidade. Qual é a trajetória que minimiza o tempo de percurso? Quando ele me contou isso, eu falei: é a reta. Mas é claro que não é a reta, aí ele me explicou que era um arco de ciclóide”, completa.
Intrigado com aquela história, Nolasco fez a disciplina assim que ela foi oferecida novamente no ICMC. O professor era José Gaspar Ruas Filho, seu futuro orientador na iniciação científica e no mestrado. “Foi aí que comecei a ampliar minha formação em matemática. Fiz muitas disciplinas optativas, aprendi mais sobre álgebra, análise e geometria”.
Quando estava terminando a graduação, ele foi procurar estágio, mas todos eram em São Paulo. “Isso me assustou. Sou um matuto mesmo, do interiorzão. Gosto de lugar pequeno, onde conheço as pessoas, onde consigo andar a pé para todo o lado. É isso que define um caboclo do interior: o alcance dele é o alcance das pernas.”
Esse medo da cidade grande e o amor à matemática fizeram Nolasco continuar no ICMC e ingressar no mestrado. “Jovem não faz muito plano de futuro, você vai levando a vida. Em 1986, me falaram que havia uma oportunidade de trabalho no ICMC. Como eu já tinha um filho, decidi me inscrever. Mas para ter alguma chance, tinha que colocar em meu currículo que faria doutorado no exterior.” Foi assim que o mestrando Nolasco se tornou professor no ICMC e as pernas do caboclo precisaram dar passos mais largos, rumo aos Estados Unidos, inicialmente na Brown University e, depois, na School of Mathematics da Georgia Institute of Technology, onde foi orientado por Jack Hale no doutorado.
“A formação que recebi e o acolhimento que tive no ICMC foram fundamentais”, revela Nolasco. “Eu recebi uma formação de altíssimo nível, muito superior à dos meus colegas do exterior, isso me ajudou a me estabelecer como um pesquisador lá.” O acolhimento também fez toda a diferença: “Aqui, tive pessoas que me ajudaram a fazer todo o caminho: fui aceito como docente, incentivado a ir para o exterior, me apresentaram as pessoas importantes para poder ir para lá e até me emprestaram dinheiro”.
Visão arrojada – Desde 1986 até hoje, Nolasco viu o ICMC crescer muito. O Instituto mais do que duplicou de tamanho, considerando o número de alunos, professores, infraestrutura e reconhecimento internacional. “Mas tudo isso já estava plantado lá atrás. Porque essa ação de que, para ser contratado como docente, você precisava ter o compromisso de fazer doutorado no exterior foi a primeira iniciativa de internacionalização da qual tomei conhecimento. Essa visão arrojada, de que precisávamos nos inserir no mundo, transformou o ICMC no que ele é hoje.”
Como diretor do Instituto, Nolasco acredita que seu papel é entender o projeto da unidade e tentar aprimorá-lo. “O ICMC cresceu e evoluiu porque procurou planejar e construir sempre. Nunca trabalhamos com a desmontagem do que os outros fizeram, sempre trabalhamos com um processo de construção a partir do que os outros fizeram”. Ele cita uma frase de Isaac Newton para dizer como enxerga sua função na direção do Instituto: If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants (Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes). E explica: “Você deve se apoiar no trabalho que todos fizeram até aqui e dar um passo um pouco adiante”.
Para Nolasco, a tarefa de formar é prevalente em relação à produção de conhecimento novo, embora essas duas atividades andem juntas. “Eu sinto que preciso estar em sintonia com o que há de mais avançado na minha área de pesquisa para poder continuar ajudando meus alunos a se formarem da maneira adequada”, diz. Pois foi na arte de ensinar que esse professor descobriu uma forma de lidar com a efemeridade da vida: “O que você faz como indivíduo, sozinho, é muito pouco. Sua contribuição só será realmente relevante se você deixar um rastro e o rastro são as pessoas que você ajudou a formar. Essas pessoas farão seu rastro aparecer porque elas continuarão realizando algo, que pode ser diferente do que você ajudou a construir. Mas isso é o que nos perpetua.”
Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Fotos: Divulgação ICMC
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