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Nota de pesar – Prof. Dr. Clóvis Gonzaga

A SBMAC lamenta profundamente o falecimento do Prof. Clóvis Gonzaga, um dos nossos sócios fundadores, 2o Vice-presidente da Diretoria no período 1995-1997 e Conselheiro da Sociedade em diversos períodos. O trabalho do Prof. Clóvis foi decisivo para colocar o Brasil no mapa da otimização mundial, sua desaparição é uma grande tristeza por todas as suas realizações e por tudo que ele ainda tinha para contribuir.

A seguir, publicamos um texto que foi redigido por colaboradores, ex-alunos e colegas do Prof. Clóvis.

Clóvis Caesar Gonzaga nasceu em Lages, Santa Catarina em 06/09/1944. Foi um garoto intelectualizado que cresceu em Joinville. Sempre gostou de ler, percorrendo obras de Friedrich Nietzsche, Jorge Amado, Aldous Huxley, Carlos Zefiro e Albert Camus. Ainda jovem percebeu que sua carreira seria científica. Em 1967, concluiu Engenharia Eletrônica no ITA, em São José dos Campos,SP. Fez pós-graduação na COPPE-UFRJ. No mestrado, que concluiu em 1970, foi orientado por Jean-Paul Jacob e no doutorado, em 1973, por Nelson Ortegosa da Cunha. Em 1976, concluiu um pós-doutoramento na Universidade da California em Berkeley, nos Estados Unidos, sob supervisão de Elijah Polak. Foi professor da COPPE de 1970 a 1994. Em 1984, enquanto professor da COPPE foi convidado por Polak para substituí-lo em Berkeley. Foi um momento crucial na sua carreira. Naquele ano, Narendra Karmakar havia obtido um algoritmo para programação linear com complexidade O(n^{7/2} L). Clóvis trabalhou arduamente acreditando ser possível melhorar esse limite. No Natal de 1986, deprimido por não ter obtido sucesso, recebeu uma “fortune cookie” num restaurante chinês que dizia

“You will finally solve a difficult problem that means much to you”.

Clóvis, que não era nada supersticioso, retornou encorajado à mesa de trabalho e obteve, após alguns dias, um algoritmo com complexidade polinomial O(n^3 L). Este resultado, que revolucionou a área de otimização no Brasil e no mundo, foi publicado na SIAM Review em 1992 no artigo “Path-Following Methods for Linear Programming”. Além de ter passado por Berkeley entre 1985 e 1987, foi professor visitante no INRIA, na França, entre 1992 e 1993 e na Delft University of Technology, na Holanda entre 1993 e 1994. Aposentou-se no Departamento de Matemática da UFSC, onde trabalhou desde 1995.

Clóvis era um dos maiores especialistas do mundo na área de Otimização Contínua. Além de suas contribuições para o desenvolvimento de métodos de pontos interiores, também trabalhou com métodos de Lagrangiano aumentado, métodos de filtro para otimização com restrições e, mais recentemente, obteve resultados fundamentais sobre métodos acelerados para otimização convexa. Seu legado científico é marcado pela elegância de seus métodos e pela beleza de suas demonstrações, frutos de uma intuição geométrica ímpar. Ao longo de sua carreira, recebeu vários prêmios e distinções. Tornou-se membro da Academia Brasileira de Ciências em 1998; recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2010; foi nomeado SIAM Fellow em 2009; IFORS Lecturer em 2013; e membro da TWAS – Academy of Sciences for the Developing World em 2014. Em 2000, foi premiado pelo ISI – Web of Science por ser autor do artigo matemático brasileiro mais citado na década de 1990 e, em 2013, recebeu o Prêmio Khachyian da INFORMS Optimization Society.

Além das importantes contribuições teóricas já referidas, Clóvis se orgulhava de ter criado algoritmos computacionais utilizados na área da otimização energética. Baseado na otimização em grafos, o programa que desenvolveu na década dos anos 1970, chamado TANIA, foi por muitos anos referência na Eletrobras para planejar a expansão da rede de transmissão elétrica no Brasil. Em 2017, retomou seu olhar para os problemas energéticos, participando do projeto LYNX relacionado à aplicação da otimização em problemas de planejamento hidrotérmico, com financiamento da Copel e em cooperação com a UFPR e Institutos Lactec.

Clóvis tinha um espírito extraordinário para ideias abstratas, de alto nível, e, simultaneamente, era consciente da realidade das pessoas e da vida. Essa ambivalência entre o mundo intelectual e o mundo “profano”, sempre presente, tornava sua personalidade única e fascinante. Militou em política em sua juventude, e se orientou mais à gastronomia no final da sua vida. Amante e grande conhecedor da música clássica e também do carnaval. Comparava um desfile no Sambódromo com uma noite na Ópera de Paris, mas assistindo a cinco ou seis óperas sucessivamente, uma por cada Escola de Samba. Fazia churrascos e “boeuf bourguignon” como ninguém. Tendo a matemática gravada no DNA, procurou erros lógicos na teoria psicanalítica de Jacques Lacan, e nas últimas semanas de vida, indagou conexões entre logaritmos e detecção da fraude bancária.

Com uma personalidade cativante e provocadora, inspirou gerações na comunidade de otimização contínua, tendo orientado dezenas de estudantes de doutorado e mestrado. O espírito universalista e a grandeza de Clóvis Gonzaga deixaram sua marca em muitos dos seus amigos e colegas.

Clóvis era casado com Tânia Gonzaga desde 1973. Faleceu em Florianópolis em 14/08/2021, vítima de câncer.

A comunidade de Otimização Contínua Brasileira convida todos a enviar ao professor Paulo J. S. Silva, pelo email pjssilva@unicamp.br, depoimentos e lembranças para serem compartilhadas e para uma homenagem que será realizada no dia 30/08/2021, às 17h, no Seminário Brasileiro de Otimização. A homenagem e os depoimentos poderão ser acessados através do link https://opt.ime.unicamp.br/sb/.

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