Sônia Maria Gomes nasceu no sertão mais remoto de Minas Gerais no início da década de 1950. Nos anos 60, foi para a zona urbana para entrar na escola no município de Patos de Minas. Aos 17 anos, um fenômeno fantástico: a chegada dos astronautas dos Estados Unidos à Lua. Nesse momento, ela percebeu que, mais do que fazer ciência, queria fazer ciência em colaboração com um grupo, um projeto comunitário, tal qual foi feito pela NASA.
Sônia entrou na Universidade de Brasília (UnB) na década de 70 e optou por cursar matemática. “Eu queria fazer engenharia, mas me disseram que era mais fácil entrar em matemática. A minha formação não era o suficiente para poder fazer o vestibular de engenharia. Mesmo assim, eu tive muita sorte, porque, naquele ano, o departamento de matemática da UnB estava sendo totalmente remodelado com diversos professores que tinham acabado de realizar seus doutorados nos Estados Unidos”, conta.
Sônia iniciou o mestrado também na UnB, mas, em virtude da sua mudança para o Rio de Janeiro, precisou finalizá-lo em terras fluminenses. No Rio, Sônia foi para o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o IMPA. Na época, a instituição já era consolidada na área de matemática pura, e por lá ela não apenas concluiu seu mestrado, como também emendou o doutorado.
“Quando eu comecei meu doutorado, havia um grupo recém-criado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF, que era liderado pelo professor Marco Antonio Raupp. Ele havia feito o doutorado na Universidade de Chicago na área de análises numéricas e eu achei muito interessante aquela área nova na parte de computação que estava sendo criada na época. Assim, propus ao IMPA o meu doutorado neste meio, mas o Instituto não aprovou porque era muita novidade para eles, que estavam muito acostumados com a matemática consolidada, pura. Por este motivo, fiz minha tese em matemática pura, tratando sobre métodos analíticos para estudar equações diferenciais do ponto de vista analítico”, explica.
Terminada esta etapa da formação universitária, mais uma mudança em sua vida. A agora doutora em matemática mudou-se para Buenos Aires em virtude do seu matrimônio com um argentino. Trabalhou na Universidade de Buenos Aires (UBA), onde continuou sua pesquisa na área teórica de equações diferenciais. Um período estimulante, de alto nível e incentivo, onde fez o que mais gostava: colaborar com outros pesquisadores – neste caso, com cientistas da Alemanha e da Holanda.
No final do ano de 1985, após o fim da Ditadura Militar, recebeu o convite de Raupp para trabalhar no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Foi a realização de um sonho. Finalmente, Sônia poderia não apenas trabalhar de forma colaborativa, mas também com o assunto que a fascinava desde sua adolescência, com um envolvimento interdisciplinar com uma série de pesquisadores.
Na década de 1990, foi para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Entrou numa área nova, onde trabalhou por muitos anos com a Teoria de Wavelets, e orientou uma série de alunos dentro dessa linha. Já nos anos 2000, participou de um projeto em parceria com a indústria na fabricante de aviões Embraer. Seus trabalhos passaram a ser mais voltados para a área da engenharia, e também chegou a trabalhar com a Petrobras.
Permaneceu na Unicamp até 2013, quando se aposentou – ainda que permaneça até os dias atuais como pesquisadora voluntária e também como orientadora de alguns alunos.
Relação com a SBMAC
A Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC) foi criada enquanto Sônia estava na Argentina. Ainda que longe, ela mantinha relações e contatos com pessoas do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), como o grupo do professor Raupp.
“Eu estava acompanhando remotamente como as coisas estavam acontecendo. Eles criaram a SBMAC, criaram a Revista, tudo isso na década de 1980. Esse período foi fundamental para a consolidação da área de pesquisa em matemática aplicada no Brasil. Até aquele momento, a matemática era aplicada pelo IMPA, falava-se apenas em matemática pura, não à toa não aprovaram minha tese de doutorado em matemática aplicada. Essa área de pesquisa com métodos computacionais, utilizando o computador para resolver problemas, era algo moderno, que havia sido iniciado na década de 1960. Os matemáticos só vieram entrar nesse nicho por volta de 1970, então era algo ainda muito embrionário”, destaca.
Com o objetivo de abrir espaço para esse novo mundo, o professor Raupp foi um dos líderes da criação da SBMAC. A ideia era que passassem a existir setores dentro das instituições, nas agências de fomento e nas universidades para essa nova área de pesquisa. “Buscava-se a criação de cursos de pós-graduação para que existisse o reconhecimento dessa área no Brasil. Se hoje eu tenho a minha carreira na área de matemática aplicada, eu devo isso a esses pioneiros. Se não fosse por eles, eu teria seguido na matemática pura”, relembra.
Ao voltar da Argentina, passou a interagir, de fato, com a SBMAC. Começou a frequentar regularmente os congressos da Sociedade. Organizava simpósios nos CNMACs, publicava volumes especiais na Revista da SBMAC. Conforme o tempo evoluiu, sua dedicação à Sociedade passou a ser praticamente integral. Primeiro, como conselheira entre os anos de 1999 e 2011. Dentro desse período, fez parte da Diretoria no início dos anos 2000, época em que se tornou vice-presidente.
“A SBMAC começou a se renovar. Foi um período heróico. Naquele ponto, tudo já estava amadurecido e os participantes da Sociedade reconheceram que era preciso fazer um upgrade, profissionalizar a SBMAC. Primeiro, foi feita uma revitalização da Revista, e eu participei dela como membro do corpo editorial. Mudamos todo o perfil da Revista, o estatuto, e diversas novidades passaram a ser implementadas.”
A partir disso, por ideia dela, foi criada uma publicação de nome TeMA, Tendências em Matemática Aplicada e Computacional. Como vice-presidente, ela teve a responsabilidade de coordenar a criação desta nova iniciativa. Também foi notado que o CNMAC precisava de uma evolução. Era necessário melhorar o padrão do evento – afinal, o Congresso era, e ainda é, a principal atividade da Sociedade. Foi a partir disso que o CNMAC se estruturou cada vez mais e alcançou um padrão organizacional de excelência.
Nesse contexto, a SBMAC conseguiu criar um fundo de recursos que permitia que, se em algum ano algum contratempo acontecesse e impedisse o recebimento dos apoios e aportes financeiros, a Sociedade teria dinheiro para conseguir se manter. Tudo a partir das taxas de inscrição no Congresso. “Nós economizamos tanto que chegou o ponto em que a gente teve dinheiro para comprar uma sede em São Carlos. A gente vivia de favor das instituições. Uma época a secretaria estava em São Paulo, outra época no Rio de Janeiro, então a partir daí foi centralizada a secretaria da SBMAC, assim como as organizações dos eventos”, conta.
Posteriormente, foi notado que ainda havia espaço para melhoria nas apresentações dos CNMACs. Havia trabalhos de iniciação científica misturados com trabalhos de nível mais elevado, por exemplo, o que levou à decisão de fazer uma avaliação prévia das pesquisas. Foi neste ponto que os trabalhos começaram a ser separados por categorias. Nesta época, também foram criados os prêmios de pós-graduação, que se juntaram ao então já existente prêmio de iniciação científica.
Fim de ciclo com a Sociedade
Em 2011, próxima da aposentadoria, Sônia optou pelo afastamento da SBMAC após o longo período de dedicação à organização, sendo parte indispensável na evolução e no crescimento da instituição. “É um contato que exige muita dedicação. A partir de 2011, eu comecei a ir apenas nos CNMACs para organizar alguns simpósios, mas não participava nem da diretoria e nem do conselho. Essa é minha história na SBMAC”, finaliza.
Atualmente, Sônia considera que a Sociedade permanece em um nível de organização elevado. Para ela, o nível está melhorando cada vez mais. Após um período onde a SBMAC foi crucial para a consolidação da Matemática Aplicada no Brasil, atuando diretamente na construção de uma imagem de credibilidade da área, ela relembra sua trajetória com orgulho e como um dos grandes nomes da farta história da ciência brasileira.