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Socorro Rangel: entre desafios e conquistas, a matemática

Conheça a trajetória de uma das grandes personagens da história da SBMAC

O que surge através de uma união de um pai capixaba e de uma mãe do Mato Grosso? No caso de Socorro Rangel, uma brasiliense. Foi no Distrito Federal onde ela nasceu e viveu sua infância até os oito anos. Através da escola pública, teve, em suas palavras, o privilégio de ser alfabetizada em Brasília, uma cidade que ainda estava começando e tinha ares diferentes dos demais locais do país.

Como mulher, enfrentou desde cedo os desafios impostos pela sociedade através do preconceito. Afinal, naquele tempo, era de total estranheza alguém do sexo feminino se fazer presente dentro do mundo das exatas. Mas isso não a intimidou, e, após a conclusão do ensino fundamental – já residindo em Salvador -, decidiu ingressar em uma Escola Técnica Federal. Sua motivação para desbravar qualquer que fosse o horizonte era clara: queria ser uma mulher independente. Pelo desejo de ser mãe – que seria alcançado posteriormente -, ela almejava ser capaz de prover uma vida de qualidade para a vida que gerasse sem a dependência de terceiros. Essa foi sua força motriz.

Na preparação para a escola técnica, um professor viu que ela e seus amigos vinham de escola pública e afirmou que Socorro e seu grupo não seriam aprovados. “Esse foi meu primeiro desestímulo, a primeira dificuldade. Eu não tinha muita consciência disso na época, mas certamente foi por ser mulher, vinda da escola pública e que queria ir para a área de exatas. E eu consegui. Superei esse desafio, consegui entrar na escola técnica num curso de eletrônica e por lá fiquei durante três anos”, relembra.

Tal qual toda sua vida, a mudança geográfica permaneceu como uma constante após a conclusão na escola. Por circunstâncias familiares, foi morar em Goiânia. Para o vestibular, Socorro se inscreveu em dois cursos totalmente distintos: Matemática e Psicologia. Dotada de múltiplos interesses e ainda incerta do que queria para o futuro profissional – apesar da obstinação pela independência financeira -, tinha dúvidas de qual caminho seguir, mas a aptidão pelos cálculos e o pensamento de que o curso de Matemática poderia ser mais fácil de ingressar fez com que ela fosse, mais uma vez, para as exatas.

“Na época, eram só 10 vagas para o curso de bacharelado em Matemática numa concorrência de oito para um. Então assim, era fácil, mas não tão fácil. Do grupo que entrou naquele ano, havia apenas duas mulheres, e só eu me formei”, rememora.

Neste período, no final da década de 1980, a ditadura militar no Brasil estava próxima do seu fim e Socorro entrou, de forma encantada, para o Movimento Estudantil. Durante anos da sua vida universitária, até fazia as disciplinas do curso, mas seu foco era realmente no Movimento. O enredo até parece indicar que ela teve um desvio de rota, mas nada disso. Na reta final do curso, retomou ao pragmatismo e foco no desejo de ser uma mulher independente e imergiu-se mais uma vez na vida acadêmica para concluir sua formação em Matemática.

Contato com a SBMAC e a evolução acadêmica

E foi a partir daí que ela teve seu primeiro contato com a Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional, a SBMAC. Numa palestra da professora Maria Cristina Cunha, primeira presidente mulher da Sociedade, Socorro conheceu Matemática Aplicada de fato. Junto a isso, durante seu último ano de curso, ela também teve contato com o mundo da pesquisa, fatores primordiais para que ela fosse estimulada a fazer o mestrado – já com a ideia de aplicar a matemática para resolver problemas do dia-a-dia.

Focada nos seus objetivos, Socorro era uma mulher de cabelos longos, mas o utilizava preso no rabo de cavalo. “Eu sabia o que eu queria, estava muito focada em passar no mestrado, então eu usava o cabelo desse jeito como uma forma de me dar mais força, para ter mais foco. Na época, a seleção para a Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, era através do curso de verão, e nesse ano foram aprovadas seis pessoas, e de novo apenas duas meninas – eu entre elas”, conta.

Aprovada na Unicamp, mais uma vez teve contato com a SBMAC, com um adendo: o reencontro com Brasília, sua cidade natal. Foi em 1986, quando ela foi para seu primeiro Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional (CNMAC).

Em 1989, Socorro participou pela primeira vez de parte da organização do CNMAC. Ela estava na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto, pois havia sido aprovada num concurso da instituição um ano antes, e o grupo de matemática aplicada de lá colaborava com a Sociedade. Em meio a isso tudo, partiu para fora do Brasil para realizar seu doutorado na área de otimização combinatória, trabalhando com desenvolvimento de ferramentas computacionais.

Volta ao Brasil, maternidade e a SBMAC

Concluída mais uma fase de sua vida acadêmica, Socorro Rangel voltou ao Brasil e realizou o sonho que a guiou desde os seus primeiros passos: a maternidade. Sua filha nasceu em 1999 e a pesquisadora passou a se dividir entre os desafios de ser mãe e os desafios da matemática. Tudo isso em plena ascensão, conquistando cada vez mais espaço e feitos dentro dos dois mundos. 

Mais uma vez sediado em São José do Rio Preto, o CNMAC de 2003 também contou com a participação de Socorro na organização. Desse ponto em diante, sua história se atrelou em definitivo com a SBMAC. Entre 2007 e 2009, participou do Conselho e começou a conhecer a Sociedade ainda mais de perto. Se nos outros anos a sua participação na organização do Congresso era secundária, em 2010 ela finalmente passou a integrar a linha de frente da iniciativa. 

Apesar de popular, o Congresso atendia muito mais os estudantes. Enquanto conselheira, Socorro participou do movimento que fomentou a presença de mais pesquisadores no CNMAC. “A gente queria ter um nível mais profundo de discussão dos temas da Matemática Aplicada. Foram tomadas várias iniciativas nesse sentido. Para começar, o formato de submissão dos trabalhos, que eram só resumos. Foi criada uma categoria de trabalho completo, e isso foi evoluindo até o formato atual. Hoje temos três tipos: resumo para estudante (iniciação científica), resumos para apresentação no formato de pôster para trabalhos em geral e o formato de trabalho completo, que são as apresentações orais. Além dessa mudança, houve também uma outra que acho muito importante que foi a formação de comitês temáticos e dos minissimpósios durante o CNMAC. Se hoje o Congresso traz o que há de melhor e mais recente dentro da Matemática Aplicada, com certeza foi por conta dessas importantes mudanças”, detalha.

E não apenas a Sociedade e o Congresso evoluíram, como também a própria professora cresceu dentro da SBMAC. Na gestão 2014/2015, foi uma das participantes da Diretoria, época essa onde o Boletim da SBMAC – aquele mesmo, que chega todas as quarta-feiras para os associados – foi consolidado. O efeito da chegada das novas gerações fez também com que, neste tempo, a Sociedade pudesse adentrar para as redes sociais. Em suas palavras: “A SBMAC, se consolidando como sociedade científica, ajudou com que as pessoas se mantivessem unidas. Foi muito bacana acompanhar essa história”.

A trajetória de Socorro Rangel também teve outro marco importante. Em 2016, em meio à percepção da importância da valorização das mulheres na ciência – em particular, nas exatas -, foi realizado o Encontro Paulista das Mulheres na Matemática. Um dia que contou apenas com a presença feminina para a realização do debate matemático. “Foi um encontro muito catártico. Pela primeira vez, a gente parou para pensar nas dificuldades das mulheres na Matemática. As mulheres têm dificuldades? Por que somos tão poucas? Por que muitas que começam o curso e não concluem? Foram perguntas que tentamos entender, porque muitas de nós éramos tão focadas em sobreviver que sequer prestávamos atenção se havia alguma dificuldade. Entretanto, havia um cansaço, que não sabíamos de onde vinha”, relata.

Na esteira desse movimento, ela esteve presente na criação de várias outras iniciativas importantíssimas para as mulheres. Participou da origem do Comitê de Gênero e Diversidade da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) e da SBMAC e também do Comitê das Mulheres da SBMAC. Se hoje a Sociedade é estruturada em diversos comitês e alguns deles são voltadas para as mulheres e a diversidade, Rangel definitivamente tem parcela importante no processo. 

“São movimentos para permitir que as mulheres sejam o que elas quiserem, inclusive mães. Sem que isso afete suas carreiras científicas. É divertido fazer Matemática, é gostoso fazer parte da SBMAC. É muito lindo ver ex-alunas e ex-alunos hoje trabalhando em prol da SBMAC para manter a Sociedade viva atuando, crescendo e congregando novas pessoas nessa área tão bacana e tão importante para o país”, comemora.

Confira o oitavo episódio da série Memória SBMAC:

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