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José Antônio Salvador: o homem que mudou suas estrelas com a Matemática

Acostumado a observar o céu na juventude, o paulista aproveitou as oportunidades da vida para se tornar uma das maiores referências da SBMAC – e com especialização, quem diria, em Astronomia

Qual a chance de um morador da zona rural de uma cidadezinha com menos de 10 mil habitantes se tornar uma das maiores referências em matemática no Brasil? É como procurar uma estrela na constelação infinita em meio à noite no campo. E qual a probabilidade desse mesmo indivíduo, desprovido de qualquer tecnologia na roça, se especializar na área de Astronomia? Para José Antônio Salvador, sua história, desde pequeno, foi sobre contrariar o rumo dos astros.

Nascido na pacata Nova Aliança, a 40 quilômetros de São José do Rio Preto, ao noroeste do estado de São Paulo, Salvador residia longe do centro do município. Na infância, acostumou-se a auxiliar na lavoura, “andar a cavalo e apartar bezerros”, como bem descreve. Era parte de uma família humilde e sem estudos – o pai nunca frequentou a escola, enquanto a mãe ousou por dois anos, limitada ainda “por um italianão que falava que mulher não podia estudar”. Até por isso, foram incisivos em aconselhar o filho a priorizar os estudos desde criança.

Só que Salvador já tinha o dom de manusear melhor o lápis do que a enxada no sol escaldante. Seus primeiros anos estudantis foram em uma escola rural de Nova Aliança, em que a professora dava aula para crianças dos três primeiros anos em uma mesma sala. “Ela dividia o quadro em três partes. Fazia uma verdadeira mágica, pois o objetivo era atender a todas as crianças da região”, lembra.

DIFERENCIADO DESDE PEQUENO

A tal professora também se tornou uma espécie de algoz nos primeiros anos, já que o pequeno José Antônio se mostrava promissor. “Na metade do terceiro ano, eu já sabia resolver problemas e, como acabava primeiro do que a turma, evidentemente uma criança não ficaria quieta. Daí, a professora se irritava e vinha com uma régua, eu agachava debaixo da carteira, de medo. Teve um dia que saí correndo pasto afora para não apanhar”, brinca Salvador.

A mesma “tia”, que se mostrava atônita com seu potencial, foi quem aconselhou a família do aluno a ir para a zona urbana. “A professora vinha esquentar a marmita dela lá em casa, que ficava de frente para a escola. Ela aconselhou a me colocar num colégio em Nova Aliança, porque eu só teria uma sala para meu ano e renderia mais”, conta. Dito e feito. O pequeno completou o terceiro e quarto anos em primeiro lugar e recebeu seu primeiro livro como presente.

No dia da formatura, veio mais um empurrãozinho na vida do já conhecido José Antônio. “O secretário do colégio estadual de Nova Aliança participou da formatura e, como eu tinha passado em primeiro lugar, aconselhou meu pai que eu continuasse estudando. Meu pai, então, me perguntou: ‘você quer continuar puxando enxada todo dia ou quer estudar?’ Minha mãe foi mais enfática: ‘Você vai estudar’. Sempre gostei de livros, porque, no sítio, você observava a natureza, o entardecer, as estrelas aparecendo, no outro dia, o sol… A gente se acostumava a ficar pensando: ‘como seria o universo?’”, recorda.

Com isso, Salvador completou o antigo Ginásio (hoje Ensino Médio) e, em seguida, o Científico (atual colegial), em que precisou estudar em São José do Rio Preto. Com isso, lá foi o pequeno trocar o cavalo pelo ônibus dia após dia. Com o sol a pino, ajudava seu pai na lavoura. Às 18h, chegava o transporte que o conduzia para o colegial na cidade grande. E haja história na hora de voltar à terra natal. “Uma vez, o ônibus encravou na estrada de terra. Aí a gente arregaçava as calças, tirava o sapato e chegava em casa só lá pelas 2 da manhã”, conta.

MATEMÁTICA NA SUA VIDA

Mas foi nesse caminho, árduo e ao mesmo tempo gratificante, que Salvador teve certeza de que sua vida seria atrelada à Matemática. Um dos docentes no colegial, o professor Cidinho, o incentivou a prestar vestibular para a área de Exatas. Mesmo com toda a limitação de materiais escolares, o morador de Nova Aliança fez história ao ingressar em licenciatura no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), em Rio Preto.

“Consegui umas apostilas e comecei a estudar para o vestibular aos finais de semana. E deu certo, fui aprovado. Para Nova Aliança, foi uma novidade, porque poucas pessoas chegavam à universidade. E para minha família, eu era o orgulho”, recorda.

Aluno aplicado, Salvador vivia na universidade mergulhado nos livros. Para se manter financeiramente na graduação, ministrava aulas em cursinhos da faculdade ou oferecia ajuda particular. Nas férias, fez o que vários professores haviam sugerido: participou de cursos de extensão em outras instituições.

Veio o destino e levou José Antônio e seus amigos para a Cidade Maravilhosa, que nunca havia visitado. “No fim do 3º ano, eu e meus amigos nos inscrevemos no RJ. E conseguimos uma bolsa só. Um deles não quis ir. Mas daí o outro falou: ‘Só vou se nós dividirmos a bolsa’. Olha só a amizade que tínhamos. E lá se foram os três caipiras para o Rio”, memoriza, mal sabendo que, por lá, cumpriria o sonho de cursar Astronomia.

Em pouco tempo, o trio paulista se destacou por terras fluminenses e todos acabaram aceitos no programa de mestrado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) meses depois. Mas, enquanto fazia o bate-e-volta, Salvador descobriu a vocação de ser professor universitário.

“Quando fui fazer algumas disciplinas na UFRJ em um curso de verão, tive aula com o professor Antônio Espada Filho, que foi um dos fundadores da SBMAC. E, uma certa vez, ele me convidou para substituí-lo para dar aulas em uma faculdade particular de Rio Preto na área de Pesquisa Operacional. Gostei tanto que falei que queria ser professor universitário”, confessa o matemático, que, pouco tempo depois, rumou para o Rio de Janeiro, onde completaria seu mestrado em 1977.

E eis que, quase duas décadas depois dos olhares ao céu limpo na zona rural de Nova Aliança, José Antônio Salvador teve, enfim, a oportunidade de cursar Astronomia na UFRJ, paralelamente ao mestrado. “Era o único curso de Astronomia que tinha no Brasil na época. E era o que realmente queria fazer, tanto o mestrado em Matemática Aplicada quanto Astronomia”, lembra.

Salvador completou seu doutorado também na UFRJ, em 1985, onde pavimentou toda a sua trajetória acadêmica. Logo depois, o paulista pôde aceitar o convite de se especializar no exterior e viajou aos Estados Unidos – completou seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em San Diego, na área de Bioengenharia.

VIDA NA SBMAC

A entrada de Salvador na SBMAC coincidiu exatamente com seu retorno ao Brasil e o momento pessoal, já que gostaria de permanecer mais tempo com os filhos e residir próximo aos pais no interior de São Paulo. Em 1995, durante um Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional (CNMAC), em Curitiba, o matemático recebeu o convite para se mudar a São Carlos.

“Estavam montando um laboratório de computadores em um projeto de reestruturação dos cursos de Engenharia. E eu já havia tido uma experiência na Praia Vermelha com alunos de Economia no Rio em que usava o laboratório de computadores. E uma professora do nosso departamento ficou encantada com minha história e me perguntou: ‘Por que você não vai para São Carlos?’ Eu estava querendo mesmo voltar para o interior. Quando teve um concurso, no fim daquele ano, prestei e fui aprovado. Fiquei muito feliz de ter vindo para cá”, detalha José Antônio.

E mesmo que tenha se instalado de vez em São Carlos, foi graças a um docente de referência da UFRJ que se iniciou a história de Salvador na SBMAC. “O professor Marco Antônio Raupp, que também foi um dos que criaram a SBMAC, sempre me incentivava a participar. Em 1983, eu apresentei meu primeiro trabalho na SBMAC e fui muito bem recebido. A partir daí, eu participei de todos os CNMACs e, com isso, fui conhecendo pessoas maravilhosas e ampliando os horizontes, não só na área de pesquisa em Matemática Aplicada, mas de Ensino também”, destaca.

Ao longo dos anos, a SBMAC avançou em desenvolvimento, tanto científico e intelectual como social e humanizador, na visão de Salvador. Por isso, o pesquisador quer seguir contribuindo para mais avanços e feitos da instituição.

“Enquanto puder, eu continuo colaborando. Todos esses personagens da SBMAC que lutaram por essa Sociedade, que a construíram, dedicam seu tempo voluntariamente. E ela teve uma evolução gradativa muito importante, em que cada diretoria adquiriu mais experiência, foi acrescentando e tentando agregar valor. Hoje, avalio que se trata de uma Sociedade consolidada e a gente procura incentivar os alunos que chegam na SBMAC, conversamos, trocamos ideias, porque a SBMAC não depende somente dos fundadores, mas das novas gerações”, ressalta.

LEGADO

Se José Antônio, oriundo de uma infância humilde e longe dos artefatos tecnológicos, conseguiu chegar ao ápice do que um especialista na área pode almejar, o que aconselha aos mais jovens que pensam em se aventurar no mundo da Matemática? A SBMAC terá o mesmo tratamento, dado a ele há anos, com os mais jovens? Ele trata de tranquilizar seu público, como quem observa as constelações ciente do seu destino. 

“A nossa profissão, como cientista, como educador, vai além das nossas pesquisas, das nossas divulgações científicas. Temos que, de alguma forma, contribuir, dar um retorno à sociedade, porque muitas vezes somos financiados pela sociedade. É importante vermos um retorno de alguma forma, seja no avanço nas pesquisas, nos artigos, na divulgação, nos problemas locais. Isso a Matemática Aplicada e Computacional faz com grande categoria”, conclui. 

Confira o 13º episódio da série Memória SBMAC:

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