A intenção da série ‘Memória SBMAC’ é apresentar grandes expoentes da área de Matemática Pura e Aplicada do Brasil que deixam hoje um legado para as novas gerações. Afinal, são 45 anos de contribuições que o tempo nunca vai apagar. Julio Ruiz Claeyssen é um exemplo que transcende tal conceito e explicaremos ao longo das linhas o porquê.
DE POUCAS PALAVRAS
Claeyssen nasceu no Peru, em 1946. Muito reservado, raramente expôs detalhes minuciosos da infância. “Quando era jovem, só pensava em jogar futebol”, brinca ele, que esperou até 1970 para ver novamente seu país em uma Copa do Mundo. Se o esporte passou a ser um hobby, a tradição da família o levou ao ramo universitário e à área de Ciências.
Dois anos antes de ver o Peru chegar às quartas de final do Mundial no México, em que só parou em Pelé, Tostão, Jairzinho e Cia, o ainda jovem Claeyssen concluía sua graduação em Engenharia Física-Matemática na Universidade Nacional de Engenharia (UNI), em Lima. “Era um curso novo projetado na década de 1950 motivado pela exploração espacial e o programa Átomos para a Paz de Energia Atômica”, explica.
A graduação, lembra ele, foi bastante árdua, mas o conhecimento adquirido trilhou o sucesso de sua trajetória acadêmica de uma maneira imensurável. “Fiz uma graduação bem puxada de disciplinas como Análise Funcional e Mecânica Quântica, tradicionais na formação de Bacharelados de Matemática e Física simultaneamente, as quais moldaram a minha formação”, avalia.
O aprendizado na UNI com as tecnologias da época fazem Julio brincar em relação aos artefatos da atualidade. “Naquele tempo, a gente aprendeu a polir metais, fazer soldas elétricas, montar circuitos para computadores analógicos no Laboratório de Eletrônica”, elenca.
Após completar a graduação, iniciou seu Doutorado em Matemática Aplicada na tradicional Universidade Brown, nos Estados Unidos, onde completou o período com honras em 1974. Nesse estágio, Claeyssen aprimorou seus estudos em Equações Diferenciais, Mecânica dos Fluidos e na Teoria das Probabilidades.
DESTINO: BRASIL
O primeiro contato com a Matemática Aplicada no Brasil veio a ocorrer somente em 1973. “Eu conheci o Professor Rodney Bassanezi, da Unicamp, que participava ativamente na formação de um grupo de Biomatemática. Três anos depois, tive a oportunidade de conhecer o Professor Marco Antonio Raupp, com quem criei laços de afinidade científica”, recorda.
Curiosamente, Raupp seria seu ‘padrinho’ para a diretoria da SBMAC anos mais tarde, porém a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi o anzol que fisgou definitivamente a vida de Claeyssen no Brasil.
SBMAC EM SUA VIDA
Em 1980, o matemático peruano viajou a Porto Alegre e foi extremamente decisivo para a criação do Programa de Pós-Graduação em Matemática Aplicada da UFRGS e do Bacharelado em Matemática com ênfase em Matemática Aplicada e Computacional. “A partir dali, comecei a participar ativamente de atividades regionais e nacionais da SBMAC”, reforça.
Também começou ali sua atuação como Professor Titular do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da UFRGS, onde veio a se aposentar décadas mais tarde. Sua série de contribuições em eventos de Matemática Aplicada e Computacional o levaram a aceitar o convite do amigo Raupp em ser o 1º Vice-Presidente da SBMAC entre 1989 e 1991.
Claeyssen assumiu a Presidência da Sociedade na gestão seguinte (1991-1993) e se orgulha do período em que pôde contribuir de forma mais efetiva com as atividades da classe. Entre as realizações, inseriu, em 1992, a SBMAC como membro permanente do Comitê Internacional de Matemática Aplicada e Computacional (ICIAM), abrindo portas mundiais para a entidade brasileira e também para a América do Sul. Como exemplo, promoveu o Italian Latin American Congress in Applied Mathematics (ITLA), em parceria com a Sociedade Italiana de Matemática Aplicada e Industrial (SIMAI), que teve sua primeira edição realizada em Porto Alegre com a presença, entre outros, de Carlo Cercignani. Mais tarde, em 1997, organizou, conjuntamente com o CNMAC, um Workshop em Matemática Aplicada voltado ao público de países da América.
Sua atuação junto à SBMAC foi fundamental para o fortalecimento da Matemática Aplicada e a colaboração entre grupos de diferentes instituições no Rio Grande do Sul. Em Gramado, no CNMAC 2016, recebeu uma homenagem dos alunos e colegas do estado como agradecimento e reconhecimento por todo o trabalho realizado para a comunidade científica da região. Naquela ocasião, foi presenteado com uma bonita escultura em forma de árvore com inúmeros frutos, representando seu legado.
Durante sua estadia em solo brasileiro, Claeyssen pôde orientar mais de 50 dissertações de Mestrado, além de duas dezenas de teses de Doutorado. Contribuiu também com a criação e a consolidação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFRGS, onde atuou por muitos anos como docente e orientador, deixando uma marca indelével no desenvolvimento da Matemática Aplicada e Computacional e da Ciência brasileira como um todo.
ETERNO
Seu legado na bibliografia dos cursos de graduação, mestrado e Doutorado das universidades brasileiras é imensurável. Com a humildade e timidez características, Claeyssen faz um último desejo às novas gerações sobre a importância da SBMAC em suas trajetórias.
“A SBMAC é uma experiência enriquecedora para todos os estudantes e espero, de coração, que as futuras gerações venham a participar das atividades, como os congressos e eventos. Que elas sigam aprimorando as áreas de Matemática Aplicada e Computacional e tenham progresso na indústria, academia e no mercado de trabalho”, aconselha.
Claeyssen faleceu no dia 29 de setembro de 2023, durante o processo de desenvolvimento deste perfil. Porém, como deixamos claro no início, nem a infinitude dos tempos irá apagar suas realizações e nos sentimos na obrigação de deixar suas últimas palavras em uma forma de recado da SBMAC em sua homenagem.
Professor Julio, onde quer que estejas, tu és uma lembrança que ficará permanentemente no íntimo de toda a Sociedade. Muito obrigado por tudo.
DEPOIMENTO
“Nesta homenagem, desejo destacar as várias maneiras pelas quais o professor Julio impactou nas nossas vidas. Ele não somente compartilhou seus conhecimentos, mas como pessoa também nos acolheu na UFRGS, abriu as portas de suas pesquisas e nos deu a confiança necessária, mesmo quando duvidávamos de nossas capacidades, para avançarmos em nossas carreiras acadêmicas.
Com sua sabedoria, dedicação incansável ao conhecimento e amor pela matemática nos ensinou os conceitos e nos mostrou como ver a beleza por trás das equações.
Mesmo depois de aposentado, seu espírito de professor o levou a continuar estudando. Foi professor visitante no PPGMat da UFSM, colaborando para o programa desde o seu início.
Ele nos deixou, mas ficam seus ensinamentos, sua paixão pela matemática que inspirou gerações de estudantes e pesquisadores. Além do seu legado profissional, fica a rede de orientados e amigos que levaremos para sempre.
Com profundo respeito e gratidão infinita”.
Rosemaira D. Copetti, professora da UFSM,
ex-aluna e colaboradora/co-autora na pesquisa atual
