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Entrevistas!

Entrevistas realizadas pela Comissão de Gênero SBM/SBMAC por motivo da celebração do 12 de maio! Estas entrevistas formam parte do documento “Celebrando as mulheres na matemática em tempos de pandemia” elaborado pela mesma Comissão.

Cibele Maria Russo Novelli e Maristela Oliveira dos Santos

Cibele (ao centro) e seus filhos

ICMC-USP

Maristela – Foto de Reinaldo Mizutani

ICMC-USP

Cibele Maria Russo Novelli e Maristela Oliveira dos Santos são ambas professoras do Departamento de Matemática Aplicada e Estatística da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, e estão envolvidas no projeto Estoque seguro. Cibele é graduada em Matemática Aplicada e Computação Científica, mestre em Ciências de Computação e Matemática Computacional e doutora em Estatística, todos pela USP/São Carlos. Maristela possui graduação em Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso, mestrado e doutorado em Ciências de Computação e Matemática Computacional pela USP/São Carlos.

Sobre você.

Maristela: Sou licenciada em matemática e trabalho na área de matemática aplicada com ênfase principal no desenvolvimento de modelos matemáticos de otimização inteira e métodos de soluções para tratar problemas aplicados em diversos setores, como na produção, na cadeia de suprimentos, na saúde e outros. Em projeto anterior, junto com outros pesquisadores, trabalhamos com o problema integrado de planejamento da produção e com o processo de compras de matérias-primas. Começamos a estudar meios de estender tais modelos de otimização para auxiliar o processo de tomada de decisão de compras de insumos em hospitais, observando os recursos disponíveis nos hospitais e os descontos oferecidos por diversos fornecedores de insumos hospitalares. Por causa desses estudos anteriores, surgiu a proposta de desenvolver um projeto para estudar a viabilidade de um hospital dispor de insumos considerando a taxa de ocupação com o avanço da Covid-19 e garantindo os níveis de estoque dos insumos com previsão de demanda.

Para desenvolver esse projeto, porém, foi necessário montar uma equipe multidisciplinar envolvendo um grupo que tem conhecimento da dinâmica dos hospitais, principalmente da gestão hospitalar e compras de insumos, um grupo de pesquisadores da área de estatística que trabalha com modelos preditivos e um grupo de pesquisadores de otimização, que trabalhará com modelos de apoio à decisão considerando os modelos preditivos. Assim em uma primeira etapa, dados históricos de utilização de insumos em hospitais foram utilizados para a previsão de demanda no próximo período, levando em consideração a pandemia de Covid-19 e os efeitos de curto prazo que ela pode acarretar. Os modelos preditivos podem ser utilizados pelos gestores dos hospitais para indicar como seus níveis de estoques vão estar, dada a perspectiva de utilização desses insumos com o aumento dos pacientes com Covid-19.

Cibele: Sou bacharel em Matemática Aplicada e Computação Científica e tenho mestrado e doutorado em Estatística. Trabalho com modelos de regressão, com particular interesse em modelos não lineares e modelos com efeitos mistos, como também com diagnóstico de influência e outros modelos para variáveis latentes. Um dos problemas tratados por modelos não lineares é o de curvas de crescimento, que podem descrever, por exemplo, o crescimento do número de casos de Covid-19 utilizando diferentes funções em momentos distintos da pandemia, com uma função exponencial no início do período de contágio ou uma função de crescimento logística se considerarmos o período até alcançar o número total de casos em uma certa região, estado ou país. Modelagem similar pode ser feita para número de óbitos pela doença, ou número de infectados a cada 100 mil habitantes. Por curiosidade e sem grandes pretensões iniciei a modelagem da pandemia de coronavírus com modelos de crescimento não linear, e posteriormente fui convidada a integrar duas equipes de modelagem para a prevenção e análise de impacto da doença em cidades brasileiras. Um dos projetos envolve a projeção de estoque seguro de equipamentos de proteção individual em hospitais como máscaras, álcool gel e aventais, e o outro projeto tem como objetivo avaliar os impactos do distanciamento social em cidades com mais de 200 mil habitantes na prevenção da Covid-19.

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Resposta conjunta: O primeiro desafio encontrado pelo grupo do projeto Estoque seguro foi de entender o problema, ou seja, o que queremos resolver e como iremos resolver. Após diversas reuniões foi acordado que trabalharíamos com modelos preditivos para prever o consumo de alguns insumos fundamentais para a área de saúde, principalmente os EPI (máscaras, aventais etc). Com os modelos preditivos poderíamos predizer quando um hospital atingiria sua capacidade máxima e quanto tempo iria trabalhar nessa capacidade máxima. Após essa etapa, passamos para a etapa de conseguir os dados necessários e a elaboração dos modelos mais adequados. Na etapa de obtenção dos dados houve o envolvimento de uma equipe com aproximadamente 12 pessoas, sendo algumas de uma empresa parceira que conhece a dinâmica dos hospitais e pesquisadores vinculados ao ICMC/USP e ao CeMEAI/FAPESP. Em resumo, o entendimento do problema definiu como seria a equipe e quais seriam os modelos matemáticos a serem desenvolvidos prioritariamente, que nesse caso, foram os modelos preditivos de demanda. Um outro projeto do qual Cibele participa envolve equipes de ciência de dados, estatística e matemática aplicada, e o principal interesse está em predizer de forma acurada o número de casos, óbitos e a evolução da doença em cidades brasileiras, utilizando dados de diversas naturezas, informações demográficas e comerciais de municípios, sistema de saúde e distanciamento social.

A mulher e a profissão.

Maristela: No meu caso, estou enfrentando o desafio de trabalhar em home-office pois não existe uma linha que defina horário de trabalho e descanso. Além disso, tenho que lidar com novas tecnologias para ministrar as aulas com a manutenção da qualidade e a continuidade da pesquisa. Em resumo, tenho que dividir as horas diárias com as tarefas de gerenciamento de uma casa e com todas as novas demandas de uma carreira de um pesquisador docente online, com diversas reuniões diárias com os colaboradores e com os orientados.

Cibele: Tenho dois filhos pequenos, de idades 1 e 4 anos, então conciliar o trabalho de pesquisa com as aulas e os cuidados com as crianças é o maior desafio que venho enfrentando neste período. Mas existe uma certa urgência em entender a pandemia e seus impactos, e para mim, pessoal e profissionalmente, é muito importante poder contribuir com esses projetos. Felizmente meu marido também está em teletrabalho e dividimos de forma bastante igualitária a responsabilidade com os filhos e com a casa. Meu filho mais velho já faz muitas perguntas sobre o vírus e entende a importância do meu trabalho neste período, então é como se a família inteira estivesse contribuindo com a pesquisa de alguma forma. Ser uma mãe cientista exige o apoio e esforços da família, mas ter a possibilidade de trabalhar em casa e passar mais tempo com as crianças é também um privilégio.

Cláudia Torres Codeço

Claudia

Fiocruz

Cláudia Codeço é pesquisadora na Fiocruz. Tem graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Engenharia Biomédica, ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e tem doutorado em Quantitative Biology pela University of Texas at Arlington (EUA).

Sobre você.

Sou Cláudia Codeço, bióloga com formação em biomatemática, pesquisadora do Programa de Computação Científica (PROCC) da Fundação Oswaldo Cruz. Trabalho com dinâmica de doenças transmissíveis, principalmente aquelas transmitidas por vetores como dengue, e as de transmissão respiratória. Utilizo teoria de sistemas dinâmicos e modelagem matemática e estatística para estudar suas dinâmicas e buscar indicadores que permitam auxiliar tomadas de decisão da vigilância epidemiológica. Desde que chegou a Covid-19, o grupo de pesquisa formado por pesquisadores do PROCC e da Escola de Matemática Aplicada da FGV organizou-se para formar uma força-tarefa para trazer respostas para essa nova ameaça. Estamos produzindo análises de vulnerabilidade geográfica e sóciodemográfica para identificar municípios e populações prioritárias para vigilância e assistência. Os boletins que produzimos podem ser encontrados em http://covid-19.procc.fiocruz.br.

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Minha formação é interdisciplinar, biologia, engenharia biomédica e biomatemática. A epidemiologia é também uma área interdisciplinar pois a saúde tem muitas interfaces. O desafio maior é o diálogo, entender a linguagem e o modo de pensar das diferentes áreas, e também pactuar os resultados de forma que eles façam sentido para todos. É um aprendizado contínuo.  

 A mulher e a profissão.

Para mim o mais difícil tem sido o conflito entre as responsabilidades familiares e as profissionais, definir o tempo certo a dedicar para cada função, atender as expectativas e não culpar-se demais quando não sai como desejado. No início, foi mais desafiante, mas agora está um pouco mais organizado. Tem dia que está tudo ótimo, outros são mais difíceis, mas sabemos que todos estão passando por isso; vida que segue.

Gabriela Cybis

Sobre você.

Hoje eu sou professora da estatística da UFRGS, e a minha formação foi muito interdisciplinar. Eu sou bióloga, mas fiz mestrado e doutorado em áreas da matemática, sempre trabalhando na interface entre estatística e biologia.

Trabalho com modelos filodinâmicos para vírus de rápida evolução. Esses vírus, como a gripe, o HIV e o corona, têm taxas evolutivas muito altas, de modo que seus processos de mutação ocorrem na mesma escala de tempo de processos de interesse epidemiológico, como as dinâmicas de dispersão do vírus. Assim, a informação genética atua como uma testemunha desses processos. Os métodos filodinâmicos combinam abordagens teóricas de evolução molecular, genética de populações e epidemiologia para fazer inferência sobre esses processos de interesse. Um dos projetos que estou envolvida sobre a Covid-19 busca fazer uma caracterização filodinâmica do coronavírus no Rio Grande do Sul, identificando clusters de transmissão local no estado e a integração com a dinâmica nacional. Buscaremos reconstruir o padrão geográfico dessa dispersão.

Nosso outro projeto, que também tem um componente de difusão da ciência, é um simulador para a dinâmica da epidemia de Covid-19 (www.ufrgs.br/simcovid19). Esse simulador utiliza um dos modelos mais simples para a dinâmica epidêmica, o SEIR, e permite que o usuário interaja com os parâmetros que governam a progressão da epidemia, vendo como eles afetam seu curso. O usuário pode experimentar com os efeitos de diferentes intervenções para conter a epidemia, e também pode fazer o ajuste do modelo a diferentes conjuntos de dados do país e do exterior, comparando realidades locais. Novas atualizações do aplicativo buscam representações mais detalhadas de aspectos da epidemia e ampliar as opções de ajuste do modelo.

Gabriela

UFRGS

Gabriela Cybis é professora do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Rio Grandes do Sul (UFRGS). Tem graduação em Ciências Biológicas e mestrado em Matemática, ambos pela UFRGS, e mestrado e doutorado em Biomathematics pela University of California, Los Angeles (EUA).

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Pesquisa interdisciplinar, em geral, exige uma interlocução entre as diferentes áreas. É preciso que pessoas de diferentes áreas saibam comunicar de forma a serem verdadeiramente compreendidas. No caso dos projetos com Covid-19, as questões ligadas à comunicação intensificam-se. Há grande interesse do público e da mídia em tudo que envolve tal assunto. Entretanto, apresentar resultados de estudos destacando aquilo que realmente pode ser concluído, transmitindo adequadamente questões ligadas à incerteza de estimativas e qualidade/heterogeneidade dos dados é um desafio. De certo modo, nosso simulador busca transmitir essas mensagens. 

Outra questão é que a pandemia está acontecendo em tempo real. Assim, dados precisam ser atualizados com frequência, resultados de novos estudos podem afetar questões centrais dos modelos, e novas demandas por colaboradores podem surgir. Tudo acontece com um senso de urgência diferente do ritmo cauteloso com que pesquisas costumam ser desenvolvidas.

A mulher e a profissão.

A quarentena tem um impacto profundo na rotina. Pela necessidade das reuniões virtuais, acabei improvisando um espaço de trabalho na mesa da sala (embora seja a melhor solução na maior parte do tempo, às vezes gera conflitos de uso). Por estar envolvida em projetos com a Covid-19, o ritmo de trabalho às vezes acaba sendo bem mais intenso e com menos separação entre horários de trabalho e descanso do que em outros momentos. E a imersão constante em assuntos da pandemia (trabalho/noticiário/conversas) cobra seu preço psicológico. Mas sei que, em relação a outras mulheres, minha condição é mais fácil. Tenho um marido com quem divido igualmente tarefas da casa e ainda não temos filhos ou parentes idosos que exijam muitos cuidados.

Marcia Caldas de Castro

Marcia

Harvard

Marcia Castro é professora e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Harvard TH Chan School of Public Health (EUA). Possui graduação em Estatística pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestrado em demografia pelo Cedeplar/UFMG, e doutorado em demografia pela Universidade de Princeton (EUA).

Sobre você.

Meu nome é Marcia Castro, formada em estatística pela UERJ, com mestrado em demografia pelo Cedeplar/UFMG, e PhD em demografia pela Universidade de Princeton. Sou professora e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Harvard TH Chan School of Public Health. Minhas áreas de pesquisa incluem doenças infecciosas; fatores de risco de doenças transmitidas por mosquito (especialmente malária, dengue, e Zika); manejo ambiental e controle da malária; métodos geospaciais; métodos demográficos; mortalidade infantil; e desenvolvimento na primeira infância. O principal foco de minhas pesquisas é gerar evidencias para a formulação de políticas de controle. Cocoordeno atualmente  o programa de estudos sobre o Brasil do David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard, e sou membro do Núcleo Ciência pela Infância.

Tenho uma paixão enorme pelo trabalho que faço, e um compromisso em tentar produzir resultados que possam ajudar na tomada de decisão que vise melhorar a saúde da população. Minha pesquisa concentra-se em entender fatores que contribuem para a transmissão local de doenças. Para isso eu uso métodos estatísticos e geoespaciais, combinando dados de diferentes fontes, imagens de satélite, e pesquisa de campo. Meu trabalho sempre envolve gestores de saúde de diferentes níveis. Essa colaboração é vital para a melhoria na capacitação local e tomada de decisão. Com a chegada da COVID-19, comecei a fazer analises voltadas a auxiliar tanto o Ministério como secretarias de Saúde do Brasil. Faço parte de grupos de trabalho de pesquisadores dedicados a analisar os dados e informar gestores sobre estratégias de controle e vigilância que incluem o Grupo Técnico de Assessoramento em Epidemiologia e Modelagem Matemática COVID-19 (GT COVID-19– São Paulo SP), colaboro com pesquisadores do ITA em modelagem matemática, com um grupo de pesquisadores na Universidade Federal do Ceará pesquisando gravidas e mães de crianças menores de 6 anos (uma pesquisa online para medir depressão e parentalidade durante o período de distanciamento social), e com a Secretaria Municipal de Fortaleza.

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Ainda que a pesquisa interdisciplinar deva ser a norma em estudos de saúde pública, já que os problemas são de natureza interdisciplinar, há alguns desafios. Cito dois. Primeiro, os termos técnicos são diferentes entre as disciplinas, e isso demanda atenção especial no ensino e na pesquisa aplicada. Segundo, a forma como professores são avaliados para promoção na carreira nos Estados Unidos nem sempre privilegia a pesquisa interdisciplinar. Entretanto, a pesquisa interdisciplinar é a base da saúde pública, e deve ser promovida.

A mulher e a profissão.

Infelizmente ainda há desafios: igualdade salarial, respeito por parte dos mais velhos, conciliar família e trabalho. Acho que já avançamos muito. Pessoalmente, tenho personalidade forte, e isso ajuda. Defendo minhas ideias, prezo por justiça nas decisões, e não me calo quando acho que algo está errado. Fui a primeira mulher a chegar a professora titular no meu departamento, a primeira a ser chefe desse departamento, e a primeira mulher brasileira a ser promovida a professora titular em Harvard. Isso abre novos caminhos, o que me deixa feliz e com esperança.

Sandra Avila

Sandra

UNICAMP

Sandra Eliza Fontes de Avila é professora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tem bacharelado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Sergipe, mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e dupla diplomação de doutorado pela UFMG e pela Université Pierre et Marie Curie (França).

Sobre você.

Em poucas palavras: Sandra Avila é sergipana, computeira, cientista, professora, feminista.

Em um texto mais longo: Sandra Avila é pesquisadora e professora no Instituto de Computação (IC), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É doutora em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Pierre e Marie Curie (atual Sorbonne, Paris), em 2013 (doutorado cotutela), mestre em Ciência da Computação também pela UFMG, em 2008, e é bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), em 2006.

Foi presidente (2015) e vice-presidente (2019) do IEEE Women in Engineering (WIE) Seção Sul Brasil. Sua paixão é incentivar meninas e mulheres a apostarem em carreiras nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Ganhou os prêmios Inventores da Unicamp, na categoria Tecnologia Licenciada (2018), e Google Latin America Research Awards (2018 e 2019).

Desenvolve projetos na área de Inteligência Artificial (Aprendizado de Máquina e Visão Computacional) para saúde, segurança (análise de conteúdo sensível), e agricultura de precisão. Na área da saúde, um dos principais projetos é o classificação automática de lesões de pele a partir das análises das imagens. O foco é o câncer de pele Melanoma, o tipo mais agressivo de todos. Para realizar a classificação, técnicas baseadas em redes neurais profundas estão sendo investigadas. Os resultados já publicados em artigos e divulgados na mídia são bastante animadores.

Dado o conhecimento adquirido do projeto de análise de imagens de lesões de pele, Sandra está tentando colaborar cientificamente com soluções para a pandemia, em especial para o Brasil. No entanto, do ponto de vista de análise de imagens, adquirir dados (por exemplo, imagens de radiografias e tomografias) tem sido um desafio. Conversas com médicos e instituições estão em andamento.

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Toda pesquisa interdisciplinar é desafiadora! A linguagem não é a mesma. Os objetivos e desafios científicos não são os mesmos. As agendas são completamente diferentes. Alinhar todas as expectativas pode demandar muito tempo. Quando isso acontece, a equipe toda cresce junto. É um jogo de ganha-ganha.

No projeto do Melanoma, um dos desafios continua sendo a melhora dos nossos modelos computacionais. Existe muita pesquisa pela frente. Além disso, estabelecer cooperações com hospitais brasileiros é um desafio ainda a ser superado. Precisamos avaliar os nossos modelos na nossa população, para ajustar os modelos de acordo com ela. Outro desafio do projeto (e da maioria dos projetos na ciência brasileira) é o financiamento. Apesar das diversas fontes de financiamento do nosso projeto (FAPESP, CAPES, CNPq, Google Latin America Research Awards), renovar ou obter novas fontes de financiamento é sempre um desafio. E tem sido cada vez mais difícil! Para o país voltar a crescer é preciso urgentemente investir na ciência. Infelizmente, a pandemia escancarou essa importância.

A mulher e a profissão.

Como professora, sem aulas presenciais, tem sido bastante difícil não ter o contato direto com os alunos. A expressão deles em sala de aula carrega muita informação, o que particularmente é importante para o desenvolvimento das minhas aulas.

Como cientista, as reuniões de pesquisas estão acontecendo relativamente bem, na medida do possível. E como todos estão em uma situação de isolamento, as reuniões estão mais longas do que o normal porque as pessoas (eu também!) sentem a necessidade de conversar mais, sobre a pesquisa e sobre a vida. Outra dificuldade são as pequenas situações do dia a dia que antes poderiam ser resolvidas em uma conversa de cinco minutos. Agora, é necessário agendar uma reunião por email; e geralmente demanda muito mais do que cinco minutos. Além disso, além de todas as tarefas que já são realizadas (nada parou: preparação de aulas, desenvolvimento de projetos, participação em bancas, revisões de artigos e projetos, cursos de extensão etc.), o desejo como cientista em ajudar nessa pandemia é enorme. A maneira mais eficaz é com ciência: um projeto já foi submetido (para fazer prognósticos e diagnósticos de Covid-19 utilizando Inteligência Artificial em imagens de tomografias e dados ômicos), dados estão sendo coletados e analisados (dados que já estão publicamente disponíveis), e também estou conversando com diversos médicos na tentativa de ajudar no entendimento do problema. Por fim, separar o tempo de trabalho e o tempo de casa não tem sido uma tarefa fácil. Sou casada e não tenho filhos. Todas as tarefas sempre foram divididas. Mas, nesses tempos, o trabalho e a casa estão no mesmo lugar o tempo inteiro. Saber parar/descansar é essencial. Ainda estou aprendendo.

Suzi Alves Camey

Suzi (à esquerda) e sua família

UFRGS

Suzi Alves Camey é professora do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem bacharelado em Estatística e mestrado em Matemática pela UFRGS e doutorado em Estatística pela Universidade de São Paulo (USP).

Sobre você.

Sou professora no Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da UFRGS. Fiz minha graduação, mestrado e doutorado em duas instituições USP e UFRGS. Comecei o bacharelado em Estatística na USP e terminei na UFRGS, depois fiz o mestrado na UFRGS e doutorado na USP, quando já era professora na UFRGS. No mestrado e no doutorado pesquisei temas correlatos com processos estocásticos, trabalhando com metaestabilidade no mestrado e cadeias de Markov ocultas, no doutorado. Depois da conclusão do doutorado, fiquei um curto período tentando continuar a pesquisa nessa mesma área, mas dois fatores me fizeram dar uma guinada na minha pesquisa: distância dos locais onde havia mais pesquisadores dessa área e um apelo do grupo de epidemiologia da UFRGS para que colaborasse com eles.

Passei então a me dedicar à aplicação e desenvolvimento de métodos estatísticos para a Epidemiologia. Isso acabou me levando a hoje estar coordenando o grupo de trabalho formado por estatísticos, médicos, epidemiologistas e biólogos que estão buscando os melhores modelos e projeções para hospitalizações, em UTI ou enfermaria, e óbitos.

Também acho importante destacar que, antes mesmo de concluir o doutorado, comecei a assumir cargos de gestão na UFRGS, fui chefe de departamento por quatro anos, depois vice-diretora por dois anos, diretora por quatro anos e atualmente sou pró-reitora de Assuntos Estudantis e chefe da Unidade de Bioestatística do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Toda a minha formação estatística sempre me ajudou na gestão, e aplico várias das ferramentas estatísticas no meu dia a dia.

O desafio da pesquisa interdisciplinar.

Como sempre atuei na área da saúde, hoje é muito tranquilo trabalhar com profissionais da área. Essas dificuldades eu enfrentei no início das minhas atividades. A principal delas é a tradução da estatística para a linguagem da área da saúde. Saber entender o que os pesquisadores querem e explicar o que os resultados dos estudos significam é a parte mais desafiadora. Hoje nossa maior dificuldade está em conseguir dados confiáveis para fazer previsões. Todos sabem que temos muita subnotificação de casos positivos, e isso se estende para as hospitalizações e óbitos também. Estamos tateando no escuro, procurando uma saída para essa pandemia.

A mulher e a profissão.

Felizmente, tenho uma situação muito privilegiada, pois sou casada com uma mulher e, infelizmente, isso faz toda a diferença na hora da divisão das tarefas da casa e dos filhos. Mas, a pandemia tem trazido desafios novos como, por exemplo, educação das crianças em casa e a convivência 24 horas por dia com elas. Buscar o equilíbrio entre a cobrança sobre as tarefas e a compreensão do impacto do isolamento sobre o comportamento deles é extremamente difícil.

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